O estádio do Vasco da Gama, conhecido como São Januário desde antes da fundação pela referência da rua de acesso, completa 90 anos nesta sexta-feira. A história deste templo do futebol brasileiro se mistura com a cena esportiva, política e até artística nacional e começa bem antes da inauguração dia 21 de abril de 1927.
A Luta
Campeão carioca de 1923, o Vasco foi excluído da liga de futebol do Rio de Janeiro. Se antes precisava eliminar 12 atletas negros, operários – “de profissão duvidosa”, como diziam os dirigentes da liga -, o que foi prontamente recusado e gerou a "Resposta Histórica", agora o time que antes jogava de aluguel precisaria ter seu campo próprio para jogar contra os times da elite. Em 1925, o clube comprou o terreno em São Cristóvão.
A campanha
As doações e a arrecadação – chamada de “Campanha dos 10 mil (sócios)” – envolveram desde comerciantes portugueses até condutores de bondes, funcionários públicos, garçons e donos de bares. Em pouco mais de 10 meses o estádio estava semipronto (faltava a arquibancada curva e os refletores) e foi inaugurado num amistoso Vasco 3 x 5 Santos. Foi o maior estádio do Brasil até o Pacaembu ser erguido em 1940, na cidade de São Paulo.
"Em 1926 há verdadeiro manifesto convocando torcedores a se associarem, a famosa campanhas dos 10 mil sócios. O Vasco ainda lançou debêntures no mercado, que o clube dava 9% de juros sobre o título. Vascaínos mais abastados, óbvio, que doaram quantias, mas a base da doação era de donos de botequim, de restaurantes, gente do comércio, trabalhadores comuns que davam suas contribuições individuais e se tornavam sócios também" (Walmer Peres, historiador do Centro de Memória do Vasco)
Anos 20 e 30: o gigante e a maior goleada
Já com a ferradura fechada e luz artificial desde 1928, o estádio do Vasco – com capacidade total de 40 mil pessoas - vira caldeirão para os adversários. A maior goleada da história centenária do clássico Vasco x Flamengo foi em São Januário, em 1931. Um impiedoso 7 a 0 no Rubro-Negro. Meses antes, outra vítima e outro recorde: 6 a 0 no Fluminense, também a maior goleada do duelo. Mas o maior placar de São Januário sairia com o "Expresso da Vitória": 14 a 1 no Canto do Rio, em 1947. Além de outros torneios, o clube ganhou na sua nova casa até a abertura do Maracanã os Cariocas de 1929, 1934, 1936, 1945, 1947 e 1949.
Anos 40: de Vargas, JK a Prestes
Não foi só o “Expresso da Vitória” que encantou São Januário. A escola de samba Portela foi campeã em 1945, num dos três anos de desfiles no estádio. O campo do Vasco recebeu também concertos de Villa Lobos, discursos patrióticos de Getúlio Vargas, de Juscelino Kubistchek e do “Cavaleiro da Esperança” Luis Carlos Prestes, antigo inimigo político de Vargas. Os dirigentes vascaínos, acusados de apoiarem a ditadura varguista, abriram as portas para o comício de oposição do Partido Comunista do Brasil (PCB, na época), que reuniu 100 mil pessoas no estádio de São Januário.
Anos 50: boxe, vale-tudo e concorrência
Logo depois de sediar o Sul-Americano em 1949, quando passou por reformas e melhorias (o Vasco inaugura as primeiras cabines de imprensa acima da arquibancada e também instala alambrados), São Januário perde o posto de maior estádio do Rio com o gigantesco Maracanã, construído para a Copa do Mundo. Nos anos 1950, se os jogos de futebol diminuem a utilização do estádio, o campo abrigou até mesmo desafios de vale-tudo e lutas de boxe. Carlson Gracie x Passarito (da luta-livre) levou 20 mil pessoas às arquibancadas de São Januário. O ringue ficava no espaço que hoje serve de local de aquecimento do time vascaíno, à frente da arquibancada curva.
Anos 60: a fé em meio à seca
Primeiro campeão da era Maracanã - no Carioca de 1950 -, o Vasco joga menos em casa. Coincidência ou não, conhece o maior jejum estadual da história: vai da conquista do Carioca de 1958 até 1970. No período, os dirigentes colocam de pé um sonho antigo, o parque aquático - maior do Brasil à época e terceiro maior do mundo -, e também a igreja de Nossa Senhora das Vitórias - que começou a ser construída em 1955 e só ficou pronta em 1961.
Anos 70 de Dinamite, o maior artilheiro
Maior artilheiro da história de todas as edições de Brasileiros é também quem mais fez gols com a camisa do Vasco (644 gols) e em São Januário, onde marcou 180 vezes. O garoto Roberto Dinamite estreia em 1972 e inicia a trajetória de maior ídolo do clube - ele lidera o ranking dos 10 maiores artilheiros que marcaram no estádio vascaíno. Em 1975, o Vasco, com ajuda da patrocinadora Philips, troca a iluminação de São Januário. O sistema de iluminação agora tem 120 refletores espalhados em três postes com 20 refletores cada na arquibancada e 60 pela cobertura do estádio. Em 1978, no maior público oficial da história de São Januário (40.209 pagantes), o Vasco perde para o Londrina por 2 a 0.
Anos 80: os primeiros de Romário e a placa de Vivinho
Os primeiros gols da carreira de um baixinho, que chegaria ao milésimo em 2007 neste mesmo palco, começam a encantar os vascaínos. Romário é bicampeão carioca antes de ganhar o mundo. Em 1985, São Januário foi palco de tragédia no show da banda porto-riquenha "Menudos". Mais de 100 mil fãs foram assistir ao show. Duas pessoas morreram pisoteadas no estádio. No fim dos anos 1980, o Vasco retira a pista de atletismo para aumentar o tamanho do campo. Em 1988, o atacante Vivinho aplica três lençóis em Capitão e faz um golaço contra a Portuguesa em São Januário. O jogador, falecido há dois anos, ganhou placa da diretoria do Vasco.
Anos 90: a era Edmundo e a noite libertadora
Recordista de gols num jogo só - fez seis contra o União São João de Araras na brilhante campanha do título Brasileiro de 1997 -, Edmundo pega a linha sucessória de Dinamite e Romário. Com jogadas geniais, gols e muitas confusões, o atacante vira ídolo e símbolo da década vencedora do Vasco que começa em 1992 na conquista caseira do Carioca sem Maracanã - o time de São Januário conquistaria o tri estadual inédito com os canecos de 1993 e 1994. Em 1998, a noite inesquecível, com a vitória por 2 a 0 sobre o Barcelona de Guayaquil, em São Januário, no primeiro jogo da final da Libertadores da América, justamente no ano do centenário do clube da Colina.
Anos 2000: as quedas e o encolhimento
No segundo grande teste de público em dois anos, um incidente por pouco não virou nova tragédia. Depois de receber 36.273 pagantes para a final da Libertadores em 1998, São Januário enche para a final do Brasileiro de 2000, com 32.537 pagantes. Uma confusão na arquibancada faz a multidão pressionar o alambrado, que cede para o gramado, ferindo torcedores. Um laudo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli concluiu à época que havia 5.231 pessoas a mais do que a capacidade total de público do estádio. Em decisão da Justiça de 2011, a juíza Anna Eliza Duarte inocentou o clube pelo acidente e disse que a superlotação de São Januário não ficou comprovada.
Chuva de felicidade em 2011
O título da Copa do Brasil de 2011 - no primeiro jogo, vitória por 1 a 0 em casa contra o Coritiba - é a melhor lembrança recente do torcedor no seu estádio depois da maior decepção, com a queda em 2008 - o primeiro e único consumado dentro da Colina Histórica de São Januário. A comemoração reuniu milhares de vascaínos, debaixo de um temporal, dentro do campo e nos degraus de cimento, que completam 90 anos neste dia 21 de abril.
Nos últimos anos, o Vasco voltou a investir na estrutura do complexo de São Januário. Antes do aniversário do clube, dia 21 de agosto, o parque aquático deve ser reinaugurado. O campo anexo e a estrutura de recuperação de atletas são as maiores intervenções dos últimos anos.
Estatísticas gerais do Vasco em São Januário
Número de jogos: 1475
Vitórias: 965
Empates: 309
Gols marcados: 3419
Gols sofridos: 1372
Fonte: Centro de Memória do Vasco da Gama
Conteúdo exclusivo do Globo.Com
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